sábado, 24 de dezembro de 2005

O Espiritismo é uma Religião?


Este é o tema de um dos belos e significativos textos deixados por Allan Kardec, sendo proferido em discurso de abertura da Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, da Sociedade de Paris no dia 1° de novembro de 1868. O codificador prevendo os rumos que o espiritismo tenderia no futuro já se preocupou em avançar no assunto Religião e Espiritismo.
É importante observar o forte enfoque que ele faz da expressão "comunhão de pensamentos", utilizando-a como ponto central de seu discurso. O homem em sua saga evolutiva necessita viver em sociedade e, portanto, todos nós dependemos de alguma forma uns dos outros. Kardec fala do poder da união de pensamentos capaz de gerar reações extraordinárias de efeitos morais e físicos.
Ao imaginarmos o Espírito fora do corpo material, concluímos que o pensamento é sua característica inata e essencial, marcando a individualidade do ser humano. O Espírito não poderia existir sem ele. É praticamente impossível ao homem viver em total isolamento possuindo no seu íntimo a necessidade da convivência em comunidade.
O espiritismo esclarece a verdadeira importância da comunhão de pensamentos. No isolamento, o ser pensante já está entrando em sitonia com outras mentes afins. Engana-se assim, aquele que acredita que só sabe e consegue viver isolado. Provavelmente, ele deve possuir maior afinidade com outras pessoas que não estão encarnadas ao seu redor.
Da comunhão de pensamentos surgem as mais diversas sensações (efeitos) que podemos sentir em nossa caminhada eterna evolutiva. Unidos em sentimentos benéficos e positivos receberemos fluidos agradáveis e gratificantes e, inversamente, obteremos a desarmonia e suas conseqüências negativas.
Kardec ressalta que as Religiões são formadas com base na comunhão de pensamentos, mas cada uma segue os requisitivos que lhe convém para manter sua estrutura. Muitas persistem por longo tempo, outras surgem e extinguem-se rapidamente. Como fato inevitável, não se pode parar a evolução do Espírito. Com o tempo tudo passa por transformação para melhor, não havendo retrocesso, caso contrário, não haveria evolução no sentido amplo da palavra.
Sempre nesse caminho, as transformações são seguidas de fases de adaptação. As religiões como instituições organizadas, talvez sejam, as mais sujeitas as adaptações evolutivas em virtude da evolução espiritual a que todos estão seguindo. As transformações são mais rápidas quanto mais evoluída for a comunidade. Dado a isso, surgiu a Doutrina Espírita, como fonte renovadora da união de pensamentos na Terra para o bem comum.
Vamos a ao seguinte trecho do texto: “...Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que esta deve e pode exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser o desprendimento do pensamento das garras da matéria. Infelizmente, em sua maioria, afastam-se desse princípio, `a medida que fazem da religião uma questão de forma. Disso resulta que cada um, fazendo consistir seu dever na realização da forma, julga-se quite com Deus e com os homens, quando haja praticado a forma. Resulta ainda que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, de seu próprio interesse e o mais das vezes sem nenhum sentimento de fraternidade em relação aos outros assistentes; fica isolado no meio da mutidão, e não pensa no céu senão para si mesmo...”.
“...Se as assembléias religiosas - falamos em geral, sem fazer alusão a culto algum - muitas vezes se têm desviado do alvo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se o ensino que nelas é dado não tem seguido sempre o movimento progressivo da Humanidade, é porque os homens não realizam todos os progressos a um tempo; o que eles não fazem em um período, fazem em outro; `a medida que se esclarecem, eles vêem as lacunas que existem em suas instituições e as preenchem; compreendem que o que era bom em uma época, de acordo com o grau de civilização, se torna insuficiente em um estado mais adiantado e restabelecem o nível. O espiritismo, nós sabemos, é a grande alavanca do progresso em todas as coisas; ele marca uma era de renovação. Saibamos pois, aguardar o porvir, e não peçamos a uma época mais do que ela pode dar. Como as plantas, as idéias precisam de amadurecer para que se lhes possam colher os frutos. Saibamos, além disso, fazer as necessárias concessões `as épocas de transição, porque nada na Natureza se opera de maneira brusca e instantânea...”

A revelação da existência do plano espiritual e da sua comunicação com o nosso plano terreno, abriu definitivamente, nova realidade filosófica e religiosa no planeta. Com base na ciência espírita, capaz de trazer novo horizonte na relação da vida, os conceitos e dogmas errôneos, muitos deles devido `as interpretações e traduções incoerentes e egoístas de livros religiosos tradicionais, foram desmantelados e vão ficar apenas como parte da história da humanidade.
O aspecto científico do espiritismo é primordial e essencial para o conhecimento da vida e adiantamento da humanidade. Com ele, a fé cega é substituida pela fé inabalável, sólida, com base na razão ampliando a Verdade para o homem, pois o pensamento tem poder para ir muito além do que a ciência pode comprovar num determinado tempo.
No caminhar da própria ciência observamos relevantes mudanças. As reuniões científicas, as relevantes discussões intelectuais e morais promovem avanços nos conhecimentos disponíveis ao homem, tanto do aspecto material como no moral, ou seja, no comportamento humano e no desenvolvimento da vida.
Kardec prossegue: "... Se assim é, dirão, o Espiritismo então é uma religião? - Perfeitamente! sem dúvida; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos ufamos disso, porque ele é a doutrina que funda os laços de fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as mais sólidas bases: as leis da própria Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Por isso que só temos uma palavra para exprimir duas idéias diferentes e que na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto: revela exclusivamente uma idéia de forma, e o Espiritismo não é isso. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público só veria nele uma nova edição, uma variante, se assim nós quisermos expressar, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; o público não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos, contra os quais sua opinião tem-se elevado tantas vezes.
Não possuindo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, o Espiritismo não poderia nem deveria ornar-se com um título sobre o valor do qual inevitavelmente se estabeleceria a incompreensão; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral..."

No livro "O que é o Espiritismo", Kardec o define assim: "O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosofica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, ele compreende todas as conseqüências morais que decorrem dessas relações".
Observamos a preocupação do Codificador com a conotação que se poderia, no futuro, fazer do Espiritismo no aspecto religioso. A Doutrina Espírita como elo de união de pensamentos em torno da solidariedade e fraternidade universal, promovendo a evolução moral dos indivíduos, acha-se perfeitamente enquadrado na palavra Religião.
Devemos reconhecer, entretanto, que entre as Religiões como Instituições existentes atualmente na Terra, o Espiritismo não se define. Há muito que se evoluir na Terra, não só em termos de Religião como em geral, para que o Espiritismo possa ter uma definição mais adequada ao que ele de fato é, longe dos padrões religiosos que conhecemos hoje. Isso, certamente, aconterá.
Devido ainda a ignorância de conhecimento da grandeza da Vida, parece que o Espiritismo é algo palpável, rígido, fixo e com regras definidas. Na realidade, a Doutrina Espírita é infinita e eterna, pois tudo o que estiver ao alcance do Homem no conhecimento da Vida faz parte do seu princípio básico maior, qual o uso da razão em todos os sentidos.
Basta darmos tempo ao tempo para ele se adequar a nova era do nosso planeta. As diversas visões que surgem do Espiritismo são próprias da sua evolução, tendo em vista se tratar de uma doutrina progressista.
Devemos trabalhar com seriedade e humildade para compreendê-lo adequadamente no tempo em que se encontra, evitando pensamentos egoístas e vaidosos que são vícios do fanatismo e colocando-o sempre a serviço do bem comum. Para isso, a unificação como movimento organizacional é a mais completa forma de se promover uma ampla e positiva comunhão de pensamentos.

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Referências:
ALLAN KARDEC. É o Espiritismo uma Religião? Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicologicos, dezembro de 1968, O Reformador, v.94, n.1764, p. 78-82, 1976.
ALLAN KARDEC. O que é o Espiritismo, IDE, 223p.1994.

Um comentário:

Humberto disse...

Bom dia, Raul.

Esse tema ainda desperta 'paixões' que muitas vezes superam a razão, mesmo entre nós espíritas.

Peço sua autorização para reproduzi-lo na revista Opinião Espírita que vai falar sobre Espiritismo e Religião

Humberto
editorial@opiniaoespirita.com